Friday, March 23, 2007

Conversa com um estranho

Por que gritava tanto comigo Wellington, não queria me ouvir. Sempre me chamando de ignorante, falava que eu não conhecia o mundo, o amor.

Depois de tudo o que vivemos você não ouvia mais. Deixou até de falar, por quê?

Lembra quando nos conhecemos, tudo me dizia que era você, o céu perfeito, o mar, o vento que batia em meus cabelos, era o dia perfeito, para ser amada, para eu te amar.

E eu te vi, vindo, o tempo parou, era só nós dois, sozinhos naquela praia, que estava lotada a um segundo.

“Que lindo”, eu pensei, “eu o quero”, te desejei naquele minuto como nunca havia desejado ninguém na minha vida. Eu fui atirada me apresentei.

- Oi – me olhou assustado, porém sorrindo.

- Oi, prazer, meu nome é Wellington.

Almoçamos, jantamos. Aquela noite. A lua a mais linda que já tinha visto, nascia do mar, e estava grande, avermelhada. Lembra do que eu te falei naquela noite, me ame como nunca amou uma mulher. E você me amou.

Voltamos para São Paulo, tínhamos que trabalhar, o final de semana tinha acabado. Mas prometemos nos encontrar assim que possível.

Não demorou muito, lembra. Casamos 6 meses depois, nossos pais ficaram assustados, mas nós não, nos amávamos e isso era suficiente.

Que tempo bom era aquele, não tínhamos dinheiro para nada, dormíamos juntinhos para nos aquecer no chão, não tínhamos um cobertor, uma cama, não tínhamos nada, e também tudo. Passado algum tempo, tudo começou a melhorar você arranjou um emprego eu também.

Depois de dois anos, veio nossa primeira filha Isabela, linda, olhos claros, puxados do pai, o sorriso da mãe.

Um ano após Isabela nascer, veio Gabriel. Cresceu forte, lindo e inteligente, seu pedido, lembra.

Foi quando eu não te reconheci, trabalhava demais. Estava estúpido, ficou irreconhecível. Violento com as crianças que te chamavam de herói.

Percebi que havia algo de errado, não entendia o quê. Conversamos, mas já era tarde, você já era um estranho pra mim, e eu nada pra você. Minhas amigas falavam que você só podia ter uma amante, eu não acreditava. Talvez elas estivessem certas. Ainda tenho dúvidas, porque ainda não te conheço.

Você não era mais você, me xingava na frente das crianças, me bateu uma vez. Não me agüentava do seu lado, não me chamava para sair, não me amava mais, e eu sentia sua falta, do homem da praia.

Depois de quinze anos de casamento, você não era mais o mesmo, queria me controlar, ordenar meus pensamentos. Se alguém me perguntava alguma coisa, respondia.

Foi quando tivemos nossa primeira e última briga, na frente de nossos pais, nossos filhos. Você respondendo por mim, e eu explodi:

- AH! – gritava – Pará! Não quero mais, não vou tolerar esse tipo de agressão, ainda mais levando em conta que meu tio é ventríloquo. Não!

Ninguém nunca tinha me ouvido gritar daquele jeito, você era o mais assustado. É verdade, eu não queria mais aquela vida. Meu tio Jaime, era ventríloquo, eu não gostava do que ele fazia com seus bonecos, controlava-os.

Você não me deixou explicar. Teve um ataque cardíaco naquela noite, morreu ali mesmo em casa. Eu não estou aqui, na frente do seu túmulo, para te pedir perdão vim para te conhecer melhor ou tentar.

Adeus, da sua sempre Roberta.

ASS: RAPHAEL SOBRAL

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