Friday, March 13, 2020

Conversa Libertadora

Ele estava na praça naquela manhã, refletindo sobre ele, sua família, a vida, sobre tudo, e sobre nada. Tentava se concentrar, mas a dor da verdade era maior, era uma verdade que rasgava sua garganta para ele falar tudo o que sentia, o que pensava. Ele estava refletindo já há algumas horas e nenhum pensamento surgia, o que fazer, como contar, como contar para seu pai, que ele tinha achado uma outra forma de amar, qual reação ele teria, o que ele faria.
Refletindo um pouco sobre a vida tentava entender o porquê dessa "verdade" só aparecer agora, o porquê ele não tinha nenhuma certeza de nada e o porque tinha surgido tão repentinamente. 
Por outro lado, se sentia bem, livre, confiante, não seria fácil, mas precisa se libertar.
Sabia de pessoas, que tinham revelado, e o quão difícil foi para elas, as reações de pessoas próximas, de amigos e parentes queridos.
E os seus amigos, seus familiares, como saberia como reagiriam. Não tinha como saber.
Apesar de vivermos em pleno século 21, internet, redes sociais, ainda existia um quê de.... Um quê de pensamentos e sentimentos anteriores, que pertenciam a outras épocas. Tinha visto diversas formas de amar nessa nova era, de seres humanos encontrando formas de conversarem, para ajudar a entender o que se estava passando.
Aquela agonia de não saber o que fazer, estava corroendo-o. De repente, não aguentou deu um grito, as pessoas que passavam na rua olharam para ele, algumas assustadas, algumas o julgando. Sentiu um alívio, foi o grito, sim foi o grito. Então isso lhe deu coragem, ele ia falar hoje.
Saiu daquele lugar, pegou o ônibus no centro da cidade, rumo a sua casa distante, no caminho diversos pensamentos tomavam, encobriam sua coragem. Estava ereto, confiante, e de repente o medo o tomou, ficou encurvado, envergonhado. Depois de uma hora e meia, ônibus, metrô, ônibus, chegou a sua casa, parou na entrada, pegou a chave tremendo e se dirigiu ao portão. 
Entrou em sua casa, uma onda de vergonha e medo o tomou, deu oi para sua mãe e para seu pai, que estavam na cozinha e não perceberam seu desespero em seu rosto, nem em sua voz.
Ele subiu, entrou no seu quarto, se jogou na sua cama e chorou. Chorou muito, tampava sua boca para o som não sair, e chorava, chorava. Queria contar, queria gritar, mas só chorava, pegava seu travesseiro e chorava. Sua mãe o chamava para jantar, e ele respondia, ... obrigado, ....hoje não,.... comi na rua. E voltava a chorar. Adormeceu.
Acordou no meio da noite, o estômago roncava, a boca estava seca, caminhou em direção a escada, desceu, estava meio cambaleando, quando estava chegando perto da cozinha, viu a luz acesa, alguém estava lá, recuou um pouco, não queria ver ninguém, encontrar com ninguém. Um indivíduo sem camisa, corpulento, seu pai, olhar sério de quem também acordava agora, rosto cerrado, bigode balançando enquanto ia comendo um cereal comprado naquela manhã. Seu pai o fitou, e fez um grunhido para ele. E aí pai, respondeu ele, abriu a geladeira, pegou um prato que sua mãe havia deixado com todo o carinho para ele, colocou o prato o microondas, e não se ouvia nada naquela cozinha, a não ser o barulho ininterrupto do microondas, seu pai rompeu o silêncio, perguntando o que tinha acontecido, porque ele subira tão cedo e tão abruptamente. Ele ficou assustado com a pergunta, não esperava, naquela hora, naquele momento.
Olhou para seu pai, por um longo tempo, e não tinha coragem, não saiu nada de sua boca, nada. O pai dele virou para ele e falou, quando você quiser falar algo para mim, fale, não fique com medo, estou aqui para te ajudar e te proteger, quando você estiver pronto eu estarei aqui. E mesmo com esse relato sincero e inesperado ele não contou, ele chorou, chorou muito, seu pai estava preocupado, o abraçava e o beijava. Seu pai perguntava entre um soluço e outro se ele não queria desabafar. Ele só chorava. Por fim, parou, respirou fundo e contou, contou sua dor, contou que achará uma forma de amar e estava feliz. 
Seu pai pegou seu rosto, beijou sua testa, olhou nos seus olhos, e falou, eu já sabia.
Aquela noticia, o deixava aliviado, assustado, uma mescla de sentimentos. Os dois agora choravam, riam, e se sentiram felizes, o filho por finalmente contar, o pai por finalmente se conectar.
Irrompera uma barreira, se sentira mais confiante,sabia que a partir dali, tudo daria certo, e se não desse, tinha um porto seguro, que podia contar em tempos de tempestade.